Espiritualidade
Oração

Encontrando Deus no Silêncio

O silêncio é condição essencial para a oração. É na solidão da alma que Deus tem seu colóquio mais íntimo com seus amigos. É lá no mais interior da alma que ele se deixa encontrar.

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Adaptado do texto de um monge cartuxo

Devemos acostumar-nos a orar em todos os lugares, assim como em todos os momentos. O verdadeiro lugar para orar está na alma, pois Deus habita lá. Se desejamos obedecer ao conselho de nosso Senhor, quando oramos, devemos entrar no quarto de nossa alma, fechar a porta e falar com o Pai, cujos olhos amorosos sempre buscam os nossos. Este quarto interior de nossa alma é o verdadeiro templo, o santuário sagrado, e nós o carregamos conosco e podemos, a qualquer momento, permanecer lá ou rapidamente retornar a ele, caso tenhamos sido obrigados a deixá-lo.

E devemos torná-lo um lugar realmente imaculado e belo. Sua verdadeira beleza, é claro, é a presença de nosso Senhor. Nele, Ele deve ser capaz de se sentir em casa, e Ele está em casa se vê Suas próprias características lá. Estas características são Suas perfeições, e quando refletidas na alma, são chamadas virtudes. A alma que as possui é bela com Sua beleza; é perfeita "como nosso Pai celestial é perfeito". O "como" aqui não significa "tanto quanto"; não implica igualdade, mas semelhança.

Pelas virtudes somos reformados à imagem de Deus, e na imagem de Seu divino Filho, que veio revelar Suas características a nós, praticando as virtudes.

A alma é um Santuário de silêncio

Neste santuário reservado — um novo céu e reino de Deus — devem reinar a solidão e o silêncio. Deus está sozinho consigo mesmo. As Pessoas divinas não afetam esta solidão; elas a constituem. O Amor que é a força animadora deles os encerra contra tudo o que não é Ele mesmo. A Cidade de Deus é imensa, mas fechada. Deus sozinho ocupa-a, e Ele é Tudo em tudo.

A alma que ora deve reproduzir esta solidão; deve ser preenchida por ela, excluindo tudo o mais. O próprio colóquio que segue é um tipo de silêncio.

Fala e silêncio não são opostos; eles não se excluem mutuamente. O que é oposto ao silêncio não é a fala, mas as palavras — isto é, a multiplicidade. Confundimos o silêncio do ser com o silêncio do "nada", que não sabe nem como falar nem como ficar em silêncio. Tudo o que pode fazer é agitar-se, e então dissimula. E faz isso por seus movimentos superficiais refletindo o nada dentro dele.

E é por isso que é tagarela. Diz pouco em muitas palavras; ou usa palavras que não dizem o que pensa. Deus precisou de apenas uma Palavra para Se expressar plenamente, e é em direção a essa unidade (da Palavra) que tendemos quando estamos a sós com Deus. Ele se tornou tudo, e nós Lhe dizemos isso — o que mais podemos dizer?

É o silêncio da alma recolhida em si mesma e ocupada com Aquele que encontra lá. É o silêncio daquelas longas noites que Jesus passou na montanha durante Sua oração a Deus. Foi o silêncio do Getsêmani ou do Calvário, interrompido apenas por algumas palavras para nós.

As igrejas são lugares para a oração comum. Elas devem reproduzir as características de Deus e das nossas almas que precisam do corpo para se expressarem. As igrejas devem oferecer ao corpo linhas que se elevam em direção ao Céu ou desaparecem no mistério da penumbra. Devem isolar o edifício do mundo e de seus ruídos, e formar um ponto central em torno do qual tudo tende a atrair os poderes da alma, para concentrá-los e unificá-los e evocar nosso amor.

As igrejas devem revelar belezas que estão totalmente além de nós; devem nos dar uma paz que não vem das coisas criadas, mas nos eleva acima delas. Devem criar uma grande harmonia do natural e do sobrenatural, na qual Aquele que fez tanto a matéria quanto o espírito é revelado. Sua presença brilha, e Seu amor nos atrai. Devemos respirá-Lo através dos poros do nosso ser, assim como respiramos o ar. Um lugar de adoração que não evoca essa resposta, e a alma que, ao entrar nele, não responde a esse apelo, não são verdadeiros a si mesmos e enganam os outros.

Entre em seu quarto interior

Deus é um braseiro de amor. A oração nos aproxima Dele, e ao nos aproximarmos Dele, somos apanhados por Seu fogo. A alma é elevada pela ação desse fogo, que é uma espécie de sopro espiritual que a espiritualiza e a carrega. A alma se liberta de tudo o que pesa, que a mantém presa a esta terra cansativa. O salmista compara esse sopro ao incenso. O incenso é um símbolo universalmente conhecido e excepcionalmente rico. Mas de todas as substâncias que o fogo penetra sob a forma de chama ou calor, faz um movimento pelo qual se espalha, fazendo com que cresça ao se comunicar com tudo o que o rodeia.

O movimento da alma que ora tem algo de especial. Sai de si mesma e ainda permanece em si mesma. Passa de seu estado natural para seu estado sobrenatural; de si mesma em si mesma para si mesma em Deus. À primeira vista, essas expressões podem parecer estranhas. O mistério não está nas realidades, mas em nosso entendimento delas. Nossa mente não está acostumada a essas realidades; temos que nos acostumar com elas.

Nossa alma é uma morada com muitos aposentos. No primeiro, está lá com o corpo; isto é, com toda a sensibilidade do corpo.

Vê quando o olho vê, ouve quando o ouvido ouve. Move-se com os músculos; lembra, imagina e mede distâncias, quando participamos de todas as atividades que são o terreno comum de sua ação com o corpo. No segundo aposento, a alma está sozinha e age sozinha. O corpo está lá — está sempre lá — mas não age mais; não tem parte na ação da alma. A alma sozinha pensa e ama. O corpo com seus sentidos prepara a matéria e os elementos, as condições dessa atividade espiritual, mas não tem parte em produzi-la. Esse quarto está fechado; a alma está lá sozinha e mora lá sozinha.

Naquela morada espiritual, há uma parte ainda mais remota. É a morada do SER, que Se comunica e nos faz "ser". Estamos tão acostumados a viver voltados para fora (e os objetos dos sentidos nos mantêm de costas para o interior), que raramente abrimos a porta daquele quarto, e mal damos uma olhada; muitos morrem sem jamais suspeitar de sua existência. Os homens perguntam, "Onde está Deus?" Deus está lá — nas profundezas do seu ser — e está lá comunicando o ser a eles. Eles não são AQUELE QUE É e que dá o ser a todas as outras coisas. Eles recebem o ser; recebem uma parte do ser que não depende deles mesmos. Eles o recebem por um certo tempo e sob certas formas. E do Seu "além", Deus lhes dá existência. Eles existem apenas por Seu poder e são apenas o que Ele lhes permite ser. Ele está na fonte de tudo o que fazem e, por mais que desejem continuar essas atividades, não podem fazê-lo se Ele não estiver lá. Para entender isso, temos que pensar muito, e a reflexão — talvez a forma mais alta que o ato humano possa tomar — deu lugar à ação exterior e ao movimento local, ambos comuns aos animais e à matéria.

A alma que ora entra neste quarto superior. Coloca-se na presença daquele Ser que Se dá, e entra em comunicação com Ele. Comunicar significa ter algo em comum e, por esse elemento comum, ser feito um. Tocamos, falamos, abrimos um para o outro. Sem esse "algo", permanecemos à distância; não "comunicamos". Deus é amor. Entramos em comunicação com Ele quando amamos, e na medida do nosso amor. A alma que ama e que foi introduzida pelo Amor naquele lugar de moradia onde o Amor reside pode falar com Ele. A oração é esse colóquio. Deus não resistirá a esse amor que pede. Ele prometeu fazer a vontade daqueles que fazem a Sua vontade.

É ao amor que se devem essas comunicações divinas que arrancaram dos felizes receptores as exclamações mais surpreendentes. "Senhor, peço-lhe, detenha a torrente do seu amor. Não posso suportar mais." A alma, submersa e arrebatada, desmaiou sob o peso dessas grandes águas e pediu para respirar por um instante, a fim de melhor renovar seu acolhimento. O eremita no deserto, quando orava, tinha que se abster de estender os braços, para não ser arrebatado em sua oração. Santa Maria Egipcíaca, São Francisco de Assis, foram levantados do chão e permaneceram sustentados por um poder maior que o peso de seu corpo.